terça-feira, 17 de novembro de 2009

Que Civilização? (publicado)

Por Gonçalo Costa, 12ºII
Vasco Horta, 12ºII



I - Uma Outra Verdade
Inconveniente

Lembram-se das histórias da aldeia contadas pelos nossos avós? Dos simples gestos e gentes diluindo-se, pelas enxurradas nas terras húmidas, deixando para trás as memórias de outros tempos, os pequenos prazeres, o amor à terra, às pessoas…. Paremos por aqui. Poderíamos prosseguir nesta narração nostálgica, saudosista, de um tempo em que ainda ninguém imaginava os problemas que mais tarde se viriam a revelar, como o aquecimento global, a poluição desmedida, a explosão demográfica, o consumismo histérico, a irresponsabilidade económica, entre outras maleitas igualmente merecedoras de atenção. Mas não o fazemos. Porque o Mundo em que hoje vivemos não é este.

Há alguns anos fez sucesso um filme, de nome Matrix (1999). Numa cena é proposto ao protagonista escolher uma de duas opções: tomar um comprimido que o faria continuar a viver a ilusão ou tomar um outro que o permitiria ver a realidade nua, tal como ela é. É esse o desafio que vos coloco agora. Será preciso coragem para enfrentar esta realidade assustadora. A maior parte de vós ficará verdadeiramente estupefacta com o que passarão a saber. A decisão é vossa. Que comprimido tomam?

Todos os dias, nós ocidentais, nos alimentamos de carne. É, para nós tão habitual e inquestionável comer um bom bife com batatas fritas como respirar. Os nossos pais sempre o fizeram, nós sempre o fizemos. O mais provável é nem pensarmos de onde vêm os bifes que comemos. Comecemos por aí. Com o crescimento populacional que se verificou na segunda metade do século XX, associado ao aumento do poder de compra do ocidente, o consumo de carne deixou de ser um luxo para passar a ser uma prática diária. Os preços das peças de carne há três décadas eram extraordinariamente mais elevados que hoje em dia. Como se explica que tal aconteça? A resposta é simples: com a avassaladora industrialização da pecuária. A grande maioria das vacas e porcos que hoje ingerimos já não são criados no pasto ou em quintas e herdades. As aves que nos chegam ao prato, sejam frangos (nome atribuído às galinhas e galos criados em pecuária intensiva), patos, perus, entre outros, já não vivem em capoeiras. O cenário contemporâneo é muito diferente: todos estes animais passam as suas breves vidas no interior de pavilhões fechados, sem luz natural, em compartimentos de cimento e metal, cujas condições de temperatura, luminosidade, humidade, etc., são reguladas pelos operadores de modo a corresponder as condições ideais para um crescimento acelerado e económico do animal-mercadoria. As vacas são executadas para alimentação ao fim de quatro anos (a esperança média de vida natural é de quinze anos). Os bois não chegam a atingir a idade adulta, pois não têm utilidade na produção láctea, sendo retirados às progenitoras e levados para os matadouros logo nos primeiros meses. Os porcos nunca vêem a luz do dia em todo o seu tempo de vida. É prática comum cortar e arrancar a cauda, as orelhas e dentes com tesouras e alicates, sem qualquer anestesia, com o intuito de evitar práticas canibais, devido ao desespero de uma vida tortuosa. Os animais são colocados em partições individuais ou colectivas de paredes opacas, de um tamanho extremamente reduzido, não permitindo muitas vezes nenhum movimento dos mesmos, durante toda a vida. Dias e noites são passados nestas caixas, que sem ligação ao exterior provocam não uma ideia de ciclo do dia, mas de inferno sem fim. Os leitões (suínos bebés) vivem poucas semanas, enquanto os mais velhos são abatidos aos 6 meses de idade. Poder-se-á afirmar que as aves são os animais da pecuária intensiva, cujas condições de vida são as piores. Em enormes pavilhões selados são criados verdadeiros aglomerados de frangos, amontoados, às largas dezenas de milhar por pavilhão, nascendo e morrendo lá. A higiene do solo é deplorável, tendo em conta a acumulação de excrementos, o que causa infecções nas aves. Estes locais estão constantemente iluminados com o intuito de despoletar nos pintos, o instinto de alimentação através de luz artificial. Durante as 24 horas do dia as aves apenas comem. Ora, este mecanismo visa um rápido aumento de peso para, num espaço de semanas, estarem prontos para o abate. Como consequência da total ausência de repouso e peso excessivo para o nível de crescimento e idade, uma grande parte destas aves quebra os ossos das patas, por não aguentar o peso do corpo! A frustração perante o aprisionamento leva-os a ferirem-se mutuamente, resultando quase sempre em infecções graves e na morte. Tal acontece com todo o tipo de aves: frangos, patos, perus, etc. Uma outra vertente do uso destes animais tem que ver com a produção de ovos. As fêmeas são colocadas em baterias de gaiolas (corredores de estantes de gaiolas), nas quais cada galinha tem menos de uma folha A4 de espaço para se mexer em toda a sua vida! Imaginem o calor dos corpos já colados uns aos outros, o ar abafado e a desolação brutal de uma vida que não o é. Note-se que todas estas práticas acontecem em Portugal, estão estipuladas na constituição portuguesa e seguem as normas da comunidade europeia.

II - Uma Catástrofe Ambiental

Todos se lembram do filme do ano 2006: Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore, ex vice-presidente da administração de Bill Clinton e prémio Nobel da Paz (2007). O documentário acerca do estado catastrófico do ambiente no planeta Terra chocou a opinião pública, conduzindo a uma consciencialização ambiental histórica. Com efeito, desde o início do milénio, não só, são frequentes cimeiras internacionais organizadas a este respeito, como também são visíveis as medidas efectivas dos estados, visando a poupança energética, reciclagem, redução das emissões de gases nocivos, entre outros problemas das sociedades industrializadas. Porém, Al Gore não referiu um outro factor gritante em todo o processo de poluição: a pecuária intensiva.

Porventura, não pretenderia o ex vice-presidente dos E.U.A. responsabilizar o auditório, de forma demasiado directa e ofensiva, sobre problemas ambientais. Efectivamente, exigir ao Mundo ocidental e consumista que deixasse de comer a tão cobiçada carne teria o efeito contrário: a negação da realidade exposta em todas as suas vertentes. Não só a opinião pública recusaria prescindir da sua dieta animal, como rejeitaria todas as outras necessidades urgentes de poupança, contenção e consciência ambiental, que, até ver, se inscreveram na cultura dos 11% da população do Mundo que não vive na extrema pobreza.

É certo que a questão da pecuária escapou a Al Gore, mas não à comunidade científica e à Organização das Nações Unidas. A 29 de Novembro de 2006 a FAO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, anuncia que a criação de gado produz mais gases de efeito de estufa que todo o sector dos transportes planetário, impondo-se como uma das três causas mais significativas de aquecimento global. Citando o portal das Nações Unidas: Cattle-rearing generates more global warming greenhouse gases, as measured in CO2 equivalent, than transportation. (…) Livestock are one of the most significant contributors to today’s most serious environmental problems. (A criação de gado gera mais gases de efeito de estufa, medido como equivalente de CO2, que os transportes (…) O gado é uma das contribuições mais significativas para os mais sérios problemas ambientais de hoje) Este fenómeno deve-se fundamentalmente às elevadas quantidades de Metano (CH4) libertado pelo sistema digestivo dos ruminantes. Além de uma molécula de Metano provocar 23 vezes mais aquecimento do planeta que o CO2, estes animais geram também 64% de todo o amónio do planeta, responsável pela chuva ácida. Há ainda mais um factor: a produção de carne é directamente responsável pela poluição dos solos e da água. (link para fonte no blog)

Outro problema que se impõe é a alimentação de todos estes animais. Por não se alimentarem nos pastos naturais, comem ração e, uma vez que se pretende o seu crescimento rápido de modo a maximizar a produção, os indivíduos ingerem quantidades exageradas de comida. Veja-se o caso das aves que passam as suas semanas de vida a consumir ração, dia e noite, e de todos os outros animais que possuem dietas semelhantes.
Ora, o âmago da alimentação destes animais é a soja, vegetal proveniente em grande parte do Brasil, mais especificamente da floresta da Amazónia.

Na verdade, o pulmão do planeta tem sofrido uma destruição exponencial nos últimos anos, apenas para estender as plantações intensivas de soja para os animais (não só esterilizam o solo, contaminam a água e poluem a atmosfera com pesticidas, como ainda impossibilitam o cultivo de outras plantas, devido à monocultura). Note-se que, mais de 95% da soja e mais de metade de todos os vegetais produzidos no Mundo vai para os animais da pecuária intensiva.
Atente-se que, 70% da floresta amazónica original é ocupada por pastos e campos de cultivo de soja. Segundo a conceituada revista Nature, se as práticas agrícolas na amazónia assim continuarem, em 2050 ter-se-á perdido 40% da floresta que existe hoje. No fundo estamos a destruir a mais importante floresta do Mundo para fornecer carne aos países desenvolvidos. Estamos a sacrificar o planeta para satisfazer os desejos supérfluos de uma minoria. Os factos são surpreendentes: uma dieta com menos carne, substituindo por vegetais ricos em proteína equivalentes, é responsável pelo consumo de menos vegetais que uma dieta com carne e implica o cultivo de 10 vezes mais solo.

Não é, de forma alguma, sustentável para o planeta continuar com esta irresponsabilidade dos países “desenvolvidos”. Não custa nada prescindir da carne por uns dias. Custa, sim, ao planeta, se não o fizermos.

III - Soluções sustentáveis

É provável que estejam a dizer assim: “eles querem-nos tornar vegetarianos! Nem pensar, eu gosto de carne!” Pois bem, podem continuar a comê-la, mas de uma forma sustentável. Como? Consumindo carne biológica e ovos do campo. A carne biológica é de alta qualidade e proveniente de animais criados com uma alimentação biológica em condições propícias ao seu bem-estar. O gado biológico é criado de forma saudável, de preferência ao ar livre, em pastagens e alojamentos adequados. Normalmente estes animais não sofrem mutilação das caudas, bicos ou cornos (definição da UE). Como podem verificar, esta é uma alternativa propícia ao bem-estar de todos e é vossa obrigação fazer esta escolha. É também importante referir que o conceito da pecuária biológica só é possível se consumirmos muito menos alimentos de origem animal do que o que sempre consumimos, pois se assim não for, não será possível servir necessidades tão elevadas de carne através de uma produção sustentável e não industrializada. Quanto aos ovos, encontrarão em qualquer supermercado ovos de galinhas criadas em liberdade ou ovos do campo, não contribuindo para a tortura das galinha de bateria. Em suma, impõem-se dois objectivos para todos nós: 1- Consumir produtos biológicos/do campo. 2- Consumir carne poucas vezes por semana. Falem com os vossos pais acerca do assunto, peçam-lhes para ler este artigo e mudem os hábitos lá em casa. Nós sabemos que vocês são capazes!

IV - Mudar o Mundo

Perante todos os factos que aqui expusemos, muitos de vós retorquirão que é por de mais natural o sofrimento, que um porco não passa de um porco, que por ser irracional nada sente ao ser esventrado. Perguntamo-vos: será natural a vida de milhares de milhões de seres criados e aprisionados desde o seu nascimento, torturados pelas condições mórbidas a que são sujeitos? Será isto a natureza? Será pensável que o seja? Será aceitável que tal aconteça num país, dito, desenvolvido.

Somos a única espécie racional neste planeta. Não há qualquer equivalente animal na Terra que caminhe tão velozmente e com tanta eficiência para a degradação total do seu habitat e do habitat das outras espécies. Temos de assumir responsabilidades para com as espécies irracionais que coabitam connosco neste mundo, essenciais para o equilíbrio no nosso ecossistema global e para nós próprios. Apelamos pois a uma tomada de consciência cívica da vossa parte, pois acreditamos ser possível, cada um de nós achar as respostas aos grandes problemas deste século XXI. Não reneguem a vossa condição humana, que é também a de seres sensíveis e aprendam a compaixão, pelos animais e pelos vossos filhos que, se não mudarmos radicalmente, não terão um planeta para viver. Planeta que é nosso solo. Onde nascemos, onde semearemos e aonde voltaremos. Sim, podemos e devemos mudar o Mundo! É urgente inverter a exponencial desumanização civilizacional que enfrentamos. Não nos conformemos com esta tão triste realidade. Mudemos este Mundo, mas mudemo-lo deveras. Mudemo-lo com espírito e razão, com conhecimento e objectividade. Mudemo-lo, aqui e agora, para que não morra… definitivamente.





Bibliografia


BÉRANGER, Robert Jarrige,C. ; Beef cattle production; em http://books.google.pt

ROCHA, Júlia Sampaio Rodrigues, LARA, Leonardo José Camargos, BAIÃO, Nelson Carneiro; Produção e Bem-estar animal, Aspectos éticos e técnicos da produção intensiva de aves em http://www.veterinaria-nos-tropicos.org.br/suplemento11/49-55.pdf
VENTURINI, Katiani Silva, SARCINELLI, Miryelle Freire, SILVA, Luís César da; Abate de suínos em http://www.agais.com/telomc/b01407_abate_suinos.pdf
Portaria Nº 422, DE 13 DE MAIO DE 2008; em http://members.wto.org/crnattachments/2008/sps/BRA/08_1545_00_x.pdf
http://www.greenpeace.org/international/press/releases/greenpeace-prevents-soya-from-2
http://www.npr.org/templates/transcript/transcript.php?storyId=113314725
http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=20772&Cr=global&Cr1=environment
http://naturlink.sapo.pt/article.aspx?menuid=21&cid=8366&bl=1&section=1
http://www.fao.org
http://portal.min-agricultura.pt/portal/page/portal/MADRP/PT
http://www.maotdr.gov.pt
http://www.un.org
http://www.globalwarmingsummit.com
http://www.searo.who.int/en/Section1257/Section2181/Section2211/Section2215_11374.htm
http://www.eatright.org/cps/rde/xchg/ada/hs.xsl/advocacy_933_ENU_HTML.htm
http://answers.google.com/answers/threadview/id/208761.html



Além desta bibliografia, a investigação teve também outras fontes, nomeadamente dois engenheiros do ambiente, com experiência de vistorias em explorações de pecuária, com quem conversámos.

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