quarta-feira, 29 de julho de 2009

De ilusão em ilusão

por Pedro Pinto, 11ºIII



Segundo António José Saraiva, Portugal sofre de uma forte dependência exterior no que respeita ao capital, não gerando riqueza própria mas antes acreditando que virá do exterior. Se entre os séculos XVI e XX a solução vinha do Império, mais recentemente a política adoptada centrou-se na realização de grandes eventos no país, publicitando-o largamente pelo mundo, depois da perda de importância das remessas dos emigrantes.

Na verdade, o Império que Portugal soube construir acabou por se revelar numa solução temporária para atenuar a falta de criação de capital do país, deixando de ser rentável dali a poucos anos. Veja-se o exemplo da pimenta do Oriente, cujo auge ocorreu ao longo do século XVI, ou mesmo do café de São Tomé, que ganhou importância dali a três séculos: em ambos os casos, embora a exploração dos recursos parecesse o melhor método de criar riqueza própria, cerca de meio século mais tarde ou começava a não se revelar atractiva ou entrava mesmo em decadência.

Em pleno século XX, em que Portugal era já dos poucos países do mundo a possuir colónias, embora em número muito menor se comparado com os tempos dos Descobrimentos, a solução parecia passar pela exploração intensiva do território africano, em especial os diamantes de Angola. Com a guerra colonial, muitos portugueses optaram por emigrar para a Europa ou mesmo para terras americanas, acreditando agora os que restavam no país que a solução, com o Império já em decadência, passava pelas remessas daqueles que deixavam o Portugal. Contudo, com o regresso de grande parte dos emigrantes ao país após o 25 de Abril, toda a espera construída durante treze anos de Guerra Colonial caiu por terra: perto de um milhão de portugueses voltaria a Portugal nos anos que sucederam a revolução.

Com o Império praticamente desfeito, ainda foram muitos os que acreditaram que os fundos europeus poderiam solucionar os problemas estruturais do país. No final da década de 80 e em grande parte da década de 90, o Fundo de Coesão da então Comunidade Económica Europeia destinou avultadas verbas para Portugal. Ainda assim, nem todos os recursos foram bem aplicados, começando na verdade a esgotar-se no virar do milénio e a voltar-se para os países do leste europeu alguns anos mais tarde. Portugal não chegou na verdade a desenvolver-se solidamente com os fundos europeus, que acabaram por marcar uma década de prosperidade em que se incluiu a realização da Expo’98. O evento foi considerado notável pelos seus onze milhões de visitantes, muitos deles estrangeiros, e promoveu mesmo a reabilitação de uma área da cidade de cariz industrial, votada ao abandono, e actualmente transformada numa zona de luxo. Apesar de ter fomentado a auto-estima dos portugueses durante perto de quatro meses e de ter promovido a imagem do país no exterior, as receitas acabariam por não ser devolvidas da forma mais correcta ao país em geral, mas antes a construtoras imobiliárias e a grupos privados que da venda dos terrenos tiraram o máximo de proveito.

Enquanto a Expo’98 abriu as portas do país ao mundo e se baseava num evento cultural, o Euro 2004 abriu as portas à Europa e aos fãs do futebol. Quando foi anunciado ao país em 1999 que iria acolher o Campeonato Europeu, a prioridade passava por construir cinco novos estádios e requalificar outros cinco. Em 2003, por época da inauguração dos recintos, não só se verificou que os custos haviam disparado como também havia acabado por ser construído mais um estádio, financiado por todos os portugueses. Só aí se começou a entender que algumas infra-estruturas talvez não fossem rentáveis, embora o tempo da loucura estivesse quase a começar e a prioridade fosse outra. Depois de acolher três jogos do Europeu e mais uma meia dúzia de outros, o Estádio do Algarve revela-se agora um buraco financeiro, havendo já sido planeadas inúmeras outras utilizações para o recinto sem que nenhuma delas tenha sido adoptada. Passados cinco anos, são efectivamente poucos os portugueses que ainda se recordam do evento megalómano, enquanto são muitos mais os que passeiam pelo Parque das Nações e o associam indissoluvelmente à Expo’98. Em todo o caso, se no século XVI a pimenta do Oriente foi vista como a esperança durante cinquenta anos, o Euro 2004 talvez o tenha sido por um mês. O período de influência da criação de capital é cada vez menor, bem como os seus efeitos a curto e a médio prazo, embora a expectativa seja sempre enorme: na verdade, o Euro 2004 seria “a” solução.

A America’s Cup, que previa a realização de um campeonato de vela em Portugal em 2007, acabou por se alojar em Valência e por trazer uma grande desilusão ao país num período em que o Euro 2004 estava à porta. Na verdade, o evento permitiria alargar a imagem de Portugal como país atlântico ao mundo e traria certamente muitas receitas. Se questionarmos um português qual foi o evento que ocorreu no país vizinho em 2007, muito provavelmente não saberia que fora a America's Cup. Quantos europeus saberiam que o campeonato de vela havia sido realizado em Portugal, caso o país tivesse sido escolhido, dois anos depois?

Oxalá Portugal não venha a realizar um novo campeonato de futebol, desta vez do mundo, em 2018, com ou sem a Espanha…

Com efeito, só alimentaríamos ilusões.

8 comentários:

  1. Mais um artigo 5*. Conhecimento profundo da história da nossa economia e do pensamento do povo português. A nossa economia não está de facto assente em reformas estruturantes mas vai isso sim,aproveitando-se de pequenos/grandes eventos que injectam capital periodicamente e que afinal de contas , favorecem sempre os mesmos monstros ( empresas imobiliárias,empresas de construção civíl etc...) sendo que o dinheiro que sai dos bolsos dos portugueses é muito e o que entra nos cofes do Estado é pouco.

    Para um leigo como eu acho que explicaste muito bem o estado da nossa economia e uma das várias medidas que devemos tomar para nos livrarmos desta dependência do exterior.

    Sugiro que numa próxima ocasião fales sobre o TGV desta vez com ou sem José Sócrates.

    Parabéns

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  2. Reforço os elogios do Francisco a este artigo pela clareza e objectividade da escrita ,apontando exemplos de erros estratégicos "crassos" na exploração e gestão de recursos findáveis conduzindo a grandes períodos de crise nacional e, consequentemente, em dependência exterior. Penso, ( e não apoio Sócrates)que este governo fez um bom trabalho ao nível da promoção da creatividade e apoio ao investimento privado que permitiu que empresas como a YDreams ( ligada aos vidojogos e outras tecnologias) estejam agora a receber bons "feedbacks" do estrangeiro, e brevemente partirão para o mercado internacional.
    Sugestão: gostava que num próximo artigo falasses um pouco da necessidade que Portugal enfrenta de reduzir a zero a dependência energética do exterior

    Parabéns!

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  3. Portugal é como o deprimido, que desconhece as suas próprias competências e atribui aos outros, ao exterior a força vital.Só recuperando a crença nas qualidades próprias e desenvolvendo-as, com trabalho e espírito criativo, se poderá saír desta identidade em falha.

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  4. Antes de mais, deixem-me felicitar o Pedro pelo sublime artigo expositivo-argumentativo acerca das profundas falhas na estrutura económica nacional.
    De facto, Portugal tem "investido" (se é que a isto se chama investir) em pensos-rápidos e não em reformas duráveis, como defende o meu colega Francisco R. Esperemos que a victória de Sócrates permita a continuidade dos seus projectos pensados várias jogadas à frente no xadrez político-económico.
    Seria mesmo interessante que tratasses o assunto do TGV

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  5. Em primeiro lugar quero dar os parabéns pelo artigo e pelo jornal em geral, fizeram um óptimo trabalho, espero que continuem.
    Sem me querer desviar muito do assunto, gostaria de salientar a questão da vela em Portugal. Acho que é completamente incompreensível o facto de darmos tão pouca importância a este desporto, sendo nós um país de navegadores e marinheiros. Como foi referido, a maioria dos portugueses não faz ideia de que o campeonato de vela poderia ter sido realizado em Portugal. E falando de acontecimentos mais recentes, em 2008 realizaram-se os jogos olímpicos em Pequim, como todos sabemos. Qualquer português reconheceria nomes como Nelson Évora, Vanessa Fernandes ou até mesmo Obikwelu, Naide Gomes e Telma Monteiro. Mas será que alguém saberia mencionar um velejador português que participou neste acontecimento? Será que alguém saberia sequer que houve portugueses a competirem nestes jogos em vela? Provavelmente muitos deles nem sabem que vela é uma modalidade olímpica… Então e se eu disser que tivemos 8 portugueses nos jogos olímpicos a representarem o nosso país neste grande desporto que é a vela? Curioso, não é? E que o Gustavo Lima conseguiu o quarto lugar, sendo este o segundo melhor resultado de entre os objectivos estabelecidos inicialmente? Interessante… Pois bem, a verdade é que assim como a divulgação do desporto é reduzida, é também o papel do Estado. O Estado não oferece qualquer tipo de ajuda, apoio ou incentivo nesta modalidade. Se formos a ver bem as coisas, uma pessoa que pratique vela e chegue a este nível, é com certeza porque tem dinheiro para isso. Tem dinheiro para equipamento (que não é propriamente barato), tem dinheiro para treinadores, viagens, etc. Porque agora podem até ter patrocinadores que lhes sustentam uma boa parte, mas nem sempre tiveram. De qualquer forma, eu não sou a pessoa mais apropriada para falar disto, a mensagem que eu queria realmente passar é que devíamos investir e dar maior importância a este desporto/actividade de lazer. Não posso deixar de referir que, felizmente, temos grandes velejadores em Portugal (e até mesmo no nosso Colégio), e muitas pessoas interessadas e determinadas em continuar a apostar na vela que deveria ser um símbolo para o nosso país.

    Desejo-vos a melhor das sortes para a continuação deste excelente jornal.

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  6. Muito mas mesmo muito obrigado a todos ;)! Foi com grande surpresa e carinho que li os vossos comentários!
    Destapando já um pouco o véu do próximo jornal, posso adiantar que escrevi um artigo sobre o TGV. Espero que seja esclarecedor e que corresponda às vossas expectativas ;)!

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  7. Depois de me reformar fiquei com mais tempo para mim e para ler artigos de Economia, a minha área de trabalho durante muitos anos. Um dia destes um amigo falou-me de um artigo que tinha lido no Jornal do Moderno que talvez fosse do meu agrado. Pesquisei e encontrei este blog estupendo. Embora o meu comentário venha um pouco tarde o certo é que o tema continua actual. é espantosa a sua visão histórica e económica da economia do nosso país. Tem muita razão quando aponta o dedo a gastos inúteis e que agora todos começamos a paga. A factura é muito alta e somos nós o povo os mais sacrificados. Penso que num próxima artigo devia escrever sobre a crise actual. Parabéns.

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  8. Apesar de já vir também tarde, não quero deixar de lhe agradecer o seu simpático comentário ;)! Espero corresponder às suas expectativas em potenciais futuros textos!

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